No fogo, ardem pernas, mil sombrinhas,
Passista voa sem perder a linha
E é tão sublime o seu feroz corcovo
Que a gente anseia ele arder de novo…
Nos ares, rasgam corpos, qual cavalos
Que lutam contra a gana de domá-los
E mais parece a vida estar parada
Perante audaz destreza e fé passada
Por tal gingante mostra de regalo…
II
No início foi vilão, esse menino,
Seguia a contramão, o capoeira,
Quicés, rabos-de-arraia e peixeiras,
Um farto repertório libertino,
Que da contravenção fez mal ensino…
Depois dessa maléfica etapa,
O tempo arrefeceu a quente chapa,
Em vez de violência, viu-se arte,
O mapa transformou-se em grande parte
E hoje flui a dança sem zurrapa…
III
Brotaram girassóis nas avenidas,
Sacis, locomotivas e rojões,
Mil saltos atiçando as sensações,
Porvir da resistência renascida…
Na cor pernambucana esculpida,
O frevo, enfurecida dança rara,
Sentiu arder a chama que o brotara…
Tesouras laminosas, dobradiças,
Ao vê-las, qualquer alma se enfeitiça,
Qualquer atrevimento se escancara…
IV
A ordem é incentivar as mentes
Das multidões a se afoitar no passo,
Parece mais um furacão no espaço
Ou rebuliço de um vulcão fervente…
Das profundezas da heróica gente
Coreografias, mandigueiras febres,
Diverso espasmo, ansiosa lebre,
Leis do improviso, bafejar de touros,
Tudo isso ergue um secular tesouro,
Rogo jamais que seu cristal se quebre!
V
Grande frevo, um símbolo de luta,
Resistência que o sol forjou nas vidas
Contra elites, a prima investida,
Contra a moda, em riste, a batuta…
Vai vencendo agressões e força bruta,
Levantando um castelo cultural,
Impagável troféu descomunal,
De expressão popular e erudita,
Tradição, modernismo e a bendita
Transcendência voraz do carnaval…
VI
O cabo, a haste, a vassoura, o farol,
Viris imagens do frevo-de-rua,
Imenso rol das façanhas mais cruas
Do militar, da espada e do Sol,
Onde é império, opulento paiol…
Frevo-coqueiro, de notas agudas,
Frevo-de-abafo, contendas raçudas,
E o ventania por onde atua
Semicolcheia que o tempo recua
Pelos metais, na estridência desnuda…
VII
Das saudades, da flor, lira, violões,
Feminina imagem traz os blocos,
No coral, as pastoras são o foco
Propagando solfejos e emoções…
A seguir seus flabelos e brasões,
Pau-e-corda desenha o bailar,
E do nobre poeta, a recriar
Todas glórias eternas do amor,
O cordão invisível faz furor
E evolui na magia do luar…
VIII
Mais um terceiro, o frevo-canção:
Na força herdeira do frevo-de-rua,
Na voz, o cheiro dos blocos da lua,
Traz tão festeiro cantar ao salão…
Vem, a guitarra, ganhar atenção,
Trios elétricos tocam vorazes,
Os seus intérpretes chamam os azes
Para pularem na louca avenida,
Por toda a parte, a geral incontida,
Grita feliz as canções contumazes…
IX
Segue herói, nosso frevo pela estrada
Vai no oito-e-oitenta da emoção
Por um lado essa brasa da paixão,
Pelo outro, essa paz da madrugada…
Ó vilão mais sagrado da emboscada!
Militar mais preciso da folia!
Teu lirismo saúda a noite e o dia,
Tua história ensina a ser guerreiro
Grande frevo, devasso e brejeiro,
Nobre voz que do peito traz poesia…
X
Seguirás forte, nordestino canto,
Nunca fraquejes, meu melhor amigo,
Pois se morreres, morrerei contigo,
Parte-se a lira e todo o seu encanto…
Quero comigo o ardor do manto,
Essa esperança a desfilar renhida,
A resistência que da alma é lida,
Esse clamor, ó meu fiel lanceiro,
Da fé medida, o relutar certeiro,
Nas ruas, blocos e canções da vida…