"Memórias da Imprensa", música que compus e que tive a alegria de ser interpretada pelo amigo Emerson Sarmento. A música recebeu um arranjo musical massa e criativo do amigo Elton Sarmento. Ao fim da gravação, eu declamo um pequeno trecho do meu conto "Ensaio sobre a Senhora H.". Gostaria de agradecer a todos vocês que participaram desta gravação, amigos!
Concepção da Música
"Memórias da Imprensa"
O formato da letra de “Memórias da Imprensa” foi baseado no conceito de texto fragmentado. Ao abrirmos um jornal, deparamo-nos com uma mescla de notícias negativas e banalidades. Dentre as temáticas exploradas, estão a corrupção, o carnaval, a cultura de massa, etc. Entretanto, dessa aparente fragmentação jornalística, persiste o relato recorrente da morte de mais um trabalhador brasileiro, fruto da violência que circunda as nossas cidades. No fundo, esta é a notícia mais importante do Semanário e que luta para se sobressair diante de todas as outras notícias. Uma tensão é gerada e a ideia de fragmentação textual cria um tecido coerente que muitas vezes toca o domínio da ironia para denunciar o descaso e o caos que imperam na sociedade dos tempos atuais.
Memórias da Imprensa
de João Araújo
… e sucumbiu,
Banhado de sangue por todo lugar…
O culpado sumiu
Mas vive na boca do povo a girar
Gerou uma mistura de notas na folha tão branca do semanário:
"Seguia pelos Peixinhos"…
"Olha a onda gigante"… … "vende-se"… "mais um carnaval"…
… o moço partiu
Do jeito que veio sem ninguém notar
E o prelo tingiu
Um festim de palavras pra homenagear:
"Igreja inaugura uma nova e humilde"… "Empresa de Corrupção"…
"A vítima tinha um filho"…
"Animal leiloado"… "Futebol é a nossa paixão"…
… ninguém nunca viu
Uma mãe num estado sem consolação
A foto saiu
Preta, branca, vermelha e sem resolução
"Polícia prende"… "Cultura" … "assista à novela"… "é uma emoção"…
"Morre um trabalhador"…
"Desfrute o sabor da cerveja, nesse verão"…
[…] Ando por aí à solta e lépida como nunca debochando do mundo. […] Encontro-me a passear nos carros conversíveis, a beber e a gargalhar em ilhas privadas, nos países, nos continentes. […] Herdei o registro do beijo que Judas Iscariotes eternizou. As minhas origens apontam para desde antes de Caim chegar a Nod, levando consigo o destino nômade dos homens. Detenho o gérmem mais antigo da evolução dos hominídeos, dos gorilas, dos primatas, dos bichos. Sou irmã das tentações e mulher de todos os interesses. Eu sou um vírus, uma essência venenosa, uma infecção moral. Cresço com as ações dos homens. Incrusto-me nas suas mentes. Contudo, nem sempre o meu nome é mencionado com clareza. […]
(Trecho do conto “Ensaio sobre a Senhora H.” de João Araújo)