quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Diversidade, esperança e oportunidade

Diversidade, esperança e oportunidade

A metáfora de que o país é uma nau que prossegue por entre bonanças e tempestades não é tão boa quanto alguns pensavam. O capitão assumiria a triste imagem de um ditador e nós, os marujos, tingiríamos o nosso rosto de marionete com o doce brilho da cegueira. Com a cabeça focada nas manutenções rotineiras da embarcação, às vezes nos esqueceríamos do rumo a se tomar e, pior ainda, estaríamos aprisionados na rota imposta pelo “capitão”. Portanto, a metáfora não serve e, se quisermos ainda insistir na alegoria, teríamos que repensá-la melhor.

Não precisamos de muita teoria para percebermos que se torna muito mais cinza um mundo sem diversidade. Se consumirmos apenas um tipo de nutriente, a dieta fica demasiado empobrecida e o organismo sucumbe. No plano político atual, a nuvem cinza que paira sobre os nossos lares é ainda mais escura. Hoje parece que aceitamos muito facilmente as soluções paliativas que os governantes nos oferecem. Olhamos para o lado e não escutamos mais o nosso grito refletido na voz de uma oposição vigorosa. Defende-se muito o discurso democrático, mas se utiliza deste lema para se distribuir cargos, minar a crítica construtiva de qualquer possível oposição e fortalecer cada vez mais um único tipo de discurso e conduta política.

No Brasil de hoje há uma inflação de instituições públicas sustentadas mensalmente por nós. Não vemos o retorno esperado por tudo o que pagamos. São 39 ministérios e órgãos federais que, na prática, servem para solidificar alianças políticas de forma a se manter no poder. Já perdemos nessas contas: paga-se muito e o retorno é pequeno. Oferecem-nos sempre incontáveis soluções paliativas. Os governantes fazem infundados acordos com outros países e distribuem ajudas financeiras com o nosso dinheiro público. Do lado de cá, esse mesmo nosso dinheiro público é utilizado para distribuir bolsas mensais para a população de baixa renda, sem critérios eficazes de fiscalização, melhoria real da qualidade de vida das pessoas e perspectivas de um futuro melhor. 

Oferecem-nos festivais de circo. O problema não é, por exemplo, termos sediado mais uma Copa do Mundo, mas sim, termos assistido o governo federal prontamente correr contra o tempo para dar cabo de obras bilionárias exigidas pelos organizadores do evento. Enquanto isso, ainda assistimos diariamente festivais de horror em nossos hospitais devido à falta de condições básicas. O problema não é ter perdido o Campeonato Mundial, mas sim perder diariamente em qualidade de saúde, educação, transporte, segurança, infra-estrutura e gestão pública. Qual é o nosso foco afinal? Quais são as nossas prioridades? A seleção brasileira perdeu novamente em casa. Menos mal. Pior é ver o país continuar sendo derrotado inúmeras vezes no plano político, social e econômico. É inegável que o país precisa de mudanças urgentes.

Temos que buscar força e fé para lutarmos pela nossa própria casa. O pensamento sadio e crítico deve ser restabelecido, devemos valorizar a discussão política. Devemos nos interessar e integrar mais neste processo de melhora do país, nas possibilidades de mudança, de transformação, de modernização. Não podemos deixar que quaisquer governantes usem desse poder que nós próprios lhes confiamos para calar este valor da cidadania. Temos que pensar em melhores formas de controle das nossas instituições, para não permitir a supremacia de apenas um tipo de conduta, discurso ou partido político. Ao fazermos isso, estaremos fortalecendo a diversidade dos nossos valores e espírito crítico, para termos condições de lutar por um país melhor. É neste contexto, aqui delineado, que diversidade, esperança e oportunidade se misturam e se sobrepõem.

João Araújo
artigo publicado no Diário de Pernambuco
Quarta-feira, 27 de Agosto de 2014

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Décima Esdrúxula

Décima Esdrúxula
João Araújo

put your headphone and enjoy the music
(coloque o seu fone de ouvido e curta a música)




I
Nem sempre o chão se simplifica oxítono…
A vida é feita de milhões de máculas,
Bizarras pontes, espreitantes dráculas,
Que nos circundam a cantar em trítonos
No timbre estranho de um algoz barítono…
Há inimigos a emergir dos ângulos
E é difícil de encontrar retângulos
Que nos ajudem a limar as pápulas…
Infelizmente, em toda esquina há crápulas
A nos cortar com abissais triângulos…

II 
Bizarra vida corre tão frenética
Com seus canhões armados em girândolas,
Que nós, bonecos, damos de farândolas,
Buscando algum espaço para a ética…
Preciso é manter a fé atlética,
Não basta só querer o que é mais lógico,
A vida é mais do que o nó biológico
E deve estar a mente alerta ao gênero,
Além dos modos mil do mundo vênero,
Também do que transcende ao dialógico…

III
Nas instituições, ações pestíferas
De gente que desusa o poder público,
Há muito não se vê senso repúblico,
Há muito impera um som de voz sonífera…
Na trágica essência venenífera,
Vilões contabilizam os seus tráficos,
Acumulam valores, fazem gráficos,
Acordos indecentes e lucífugos,
É preciso inventar um bom vermífugo
E salvar os propósitos seráficos… 

IV
Altos bandidos deitam olhos cúpidos
Na confiança dada pelas vítimas,
Roubam cofres, baús, contas, legítimas,
E deixam quase todos obstúpidos …
Suas operações, atos estúpidos,
Começam no eleitor, em gesto clássico,
Ao repetir seu erro mais jurássico
De votar novamente em homens cínicos,
Sem cuidados de olhar com olhos clínicos,
Sem cautela ao pisar num vão talássico…

V
Por trás de todo esse ataque e pânico,
Imenso plano estruturado e tácito,
Contra o qual não se escrevem plácitos
E donde erguem-se portões titânicos…
Tão facilmente, o nosso porte anânico
É dominado por seus mil tentáculos
São oceânicos os seus mendáculos,
Intransponíveis atitudes cálidas
Que vão tornando a esperança inválida
Em aguardar pelos sinais do oráculo…

VI
A ficar tanto mais inerme e afônico
É o crime irônico e dramático,
Projetado nos lucros esquemáticos,
De deixar todo o ar sujo e agônico
Poluído com muito gás carbônico…
Nos delitos cruéis do atmosférico,
Nossa mãe natureza, em tom colérico,
Modifica o seu ritmo silábico:
Os termômetros ficam todos rábicos,
E, nas matas, os gritos são histéricos…

VII
A Terra em súplica, ardente e tétrica 
Com todas essas ações energúmenas,
Quer preservar sua grandeza ecúmena,
Recuperar o equilíbrio, a métrica
E abrandar tal maldade elétrica…
Na vastidão das intenções estrambólicas 
Desmatações e queimadas diabólicas,
Fábricas matam os campos mais plácidos,
A bomba atômica, os químicos ácidos
Já deixam marcas de dores simbólicas…

VIII
E ao migrarmos do múltiplo caótico
Para o plano privado hipercrítico,
O espírito pobre e detrítico
Exaspera em defeitos assintóticos…
Contra o falso, não há antibióticos,
Contra a inveja, atitudes mais pirrônicas,
Numa árdua batalha antagônica,
Pois o mal, noite e dia, gera lândoas,
Que, atônitos, vamos expurgando-as
Ao sonharmos com horas mais harmônicas…

IX
Ainda há gente que achamos fantástica
Mas não é raro, que as passoas neuróticas
Passam nas ruas velozes, robóticas,
Com atenções fadigadas e plásticas…
Há relações que são só escolásticas,
Sem verdadeiro valor altruístico
Há inflações de interesses balísticos
Concretizando as razões mais ególatras
E ao dom civístico faltam idólatras
Com o positivo condão do humanístico

X
Infernal correria catalética,
Catastróficos tempos bisesdrúxulos…
Essas décimas são reféns do esdrúxulo,
E ao crepúsculo em formas apopléticas
Exorcisa com a força da fonética…
Que a deífica aurora sistemática
Deixe a hipócrita voz mais diplomática,
Seja próspero o mundo, mais poético,
Tenha mais condoimentos energéticos,
Vença o mal e as tristezas emblemáticas!

Outros Contatos

Veja Links para matérias de João Araújo:

- Um itinerário crítico para o imaginário de Mafalda Veiga:
Decomposição de um cancioneiro através da imaginação da matéria
in Germina - Revista de Literatura e Arte. (link para o artigo)